Entrevista para o site Vitralizado.

Olá, tudo bem?

Camarada tenho que afirmar que essa foi uma das entrevista com as perguntas mais legais que já respondi. Aqui o autor da pauta, Ramon Vitral, conversou comigo sabendo de tudo e um pouco mais sobre minha pequena contribuição aos quadrinhos nacionais.
Uma entrevista bem legal que você pode conferir aqui mesmo e logo abaixo ou, direto no Vitralizado.

Grande abraço!

Ramon Vitral

O primeiro quadrinho que li do Luciano Salles foi seu mais recente lançamento, L’Amour: 12 oz. O gibi foi uma das minhas leituras preferidas de 2014 e fui correr atrás de O Quarto Vivente, seu segundo trabalho. Foi eu passar a última página pra acessar correndo o site dele pra procurar Luzcia, A Dona do Boteco, sua primeira publicação - a versão impressa esgotou, mas tá na íntegra aqui. E agora não tenho mais nada inédito dele pra ler. Por enquanto, Salles publicou apenas três títulos e vejo um imenso crescente em sua produção. Fui apresentado ao trabalho dele pouco antes do lançamento de L'Amour, pelos editores da Mino responsáveis pelo trabalho. Entre a minha leitura de L'Amour e de O Quarto Vivente, encontrei esse texto dele no Stout Club, sobre o início de sua carreira como quadrinista e algumas opiniões suas sobre o mercado brasileiro de quadrinhos. E em seguida veio um depoimento em estilo de making-of do autor pro blog do Érico Assis. Caso não conheça o trabalho do quadrinista, não pense duas vezes, dê um jeito de ler - seus trabalhos estão a venda no blog dele. Trata-se definitivamente de alguém com traços e textos atípicos no mundo dos quadrinhos. E caso você conheça ou não, por favor, dê uma lida nesse papo que batemos. Ele tem muita coisa interessante a dizer:

Lamour12Oz
Gosto muito do seu texto no Stout Club sobre como você largou 20 anos de trabalho como engenheiro e depois em uma instituição financeira pra trabalhar com quadrinhos. A minha curiosidade é sobre como as pessoas próximas de você reagiam quando você dizia que ia largar uma coisa pra viver de histórias em quadrinhos. Alguém achou uma mudança de áreas meio drástica?
Na realidade eu não comentava isso com ninguém além da minha esposa, que me incentivou todo momento. Entre outubro de 2011 até 04 de abril de 2012, enfrentei alguns problemas de saúde que foram os catalisadores da minha decisão. Sempre fui uma pessoa organizada e me preparei bem para a mudança radical que faria. Quando digo que me preparei bem é que tinha metas do que exatamente queria e faria. Isso me deixava mais tranquilo apesar de nunca haver publicado nada. Mas estava tranquilo. Tinha aquelas metas na minha cabeça e tinha a certeza que daria certo.
Daí você resolve investir em quadrinhos: escrevendo, desenhando, editando, imprimindo e vendendo o Luzcia, certo? A revista esgotou, as pessoas gostaram e você acabou lançando O Quarto Vivente e o L’Amour. Mas você chegou a cogitar a possibilidade da primeira revista não ter dado certo? Você tinha um plano B caso as pessoas não tivessem gostado do Luzcia?
Não tinha exatamente um plano B. Eu imaginava que poderia trabalhar como ilustrador. Poderia adequar o meu traço para ilustrar livros, literatura infantil, jornal, revista, mas eu estava (e ainda continuo) tão confiante no que poderia produzir de forma independente e em quadrinhos, que acho que esse foi o motivo de Luzcia, a Dona do Boteco ter funcionado. Mas existe um pequeno detalhe. Desde que deixei a Instituição Financeira que fiquei por quase onze anos, eu trabalho hoje, em quantidade de horas, mais tempo do que quando era funcionário.
Eu fiz a opção de acabar com os dias da semana instituídos e preparatórios para um sábado e domingo. Eu acabei com os horários matutino, diurno e noturno. Trabalho quando preciso trabalhar e paro quando sinto que preciso parar. Meu corpo e mente me dizem quando devo parar, quando devo dormir e quando devo voltar ao trabalho. Eu trabalho todos os dias as revistas que já publiquei. Procuro novos pontos de venda, sempre ando com minhas HQ por onde vou, tenho o meu blog http://dimensaolimbo.com atualizado semanalmente e assim, por consequência, as coisas vão acontecendo.
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Eu gosto muito quando você fala no seu texto do Stout Club que “o mercado de quadrinhos autorais e independentes é apenas reativo ao seu trabalho”. Acho que muita gente pensa da mesma forma que você: tanto na internet quanto em lojas de quadrinhos eu vejo lançamentos e mais lançamentos. A minha dúvida é em relação à percepção que você tem do público: o mercado tem sido receptivo, mas os leitores que consomem esses trabalhos vão além do nicho de consumidores usuais de quadrinhos?
Essa é uma pergunta difícil de responder, mas acredito que nos últimos anos o mercado tem ganhado novos leitores. Penso que o cinema tenha favorecido isso. Às vezes o cara assiste ao filme do Guardiões da Galáxia, com toda aquela ambientação e fica interessado de onde tudo aquilo saiu. O mesmo senti na Comic Con Experience. Muitas pessoas que visitaram o evento não imaginavam a cena de quadrinhos que haveria ali. Inclusive o mercado independente de quadrinhos. Em um evento de tantas marcas de alcance mundial, ali estavam centenas de quadrinistas vendendo suas obras. O mercado nunca esteve melhor.
Você pensou os projetos do Luzcia e do Quarto Vivente do início ao fim, certo? Já o L’Amour foi lançado pela Mino. Houve alguma grande diferença entre trabalhar sozinho nos dois primeiros e depois pensar em equipe com o pessoal da Mino?
Essa é uma pergunta recorrente. L’Amour: 12 oz estava praticamente pronta quando o pessoal da MINO entrou em contato comigo. Antes da MINO aparecer, eu estava negociando com outra editora mas não fechamos um acordo. Entretanto a revista já estava toda desenhada e colorida pelo Maiolo. O letreiramento já estava concluído também. Enfim, a revista estava pronta. Quando a MINO entrou, o que foi alterado foi a capa. A nova capa com certeza ficou muito melhor. Então, L’Amour: 12 oz quase que foi lançada independente também, porém, nos últimos minutos a MINO surgiu com a proposta e eu topei.
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Outra questão sobre trabalhar sozinho e ser independente. Poucos dos trabalhos lançados dessa forma contam com o olhar de um editor. E são poucas pessoas editando quadrinhos ao pé da letra aqui no Brasil. Fez/Faz alguma falta pra você ter alguém que te ajuda a pensar a HQ?
Eu tenho a sorte de conhecer o Daniel Lopes, antes mesmo dele editar quadrinhos profissionalmente. Conheci em Araraquara, em um exposição de quadrinhos no SESC Araraquara. A partir de então, ficamos amigos e como o camarada tem um conhecimento absurdo de quadrinhos, ele sempre faz as revisões dos meus roteiros. Inclusive sempre deixo aberto para ele sugerir qualquer alteração. E foi assim desde minha primeira empreitada com Luzcia, a Dona do Boteco. O Daniel inclusive acompanha o desenvolvimento das páginas que vou desenhando. Enquanto vou produzindo a revista, envio para ele as páginas para sugestões e ainda uma segunda revisão nos textos já nos balões. Tenho essa sorte e com certeza, sem o Daniel Lopes, essa seria um figura que faria falta.
Tanto em relação a alguns temas que você aborda, quanto no estilo do seu desenhos e de suas cores, tem hora que seus trabalhos me lembram da fase boa do Frank Miller - a boa, vale ressaltar. Faz sentido pra você essa comparação? Ele é uma influência? Tem algum artista/quadrinista que te influencia mais ou que você tem como grande referência?
Minha grande referência de quadrinista é o Moebius. Minha consciência pelos quadrinhos mudou quando conheci Garagem Hermética. Mas é claro que o Frank Miller é uma influência e que também, acredito eu, foi muito influenciado pelo Moebius também. Mas apesar disso, sou muito influenciado pelo cinema e especificamente por alguns cineastas. David Lynch, Alejandro Iñáritto, Gaspar Noé, Lars Von Trier, Darren Aronofsky, Pedro Almodovar entre outros, em certos aspectos, são grandes influências nos meus trabalhos.
Eu gosto muito do L’Amour - da arte, da história e do texto. Ainda assim, o que me pegou foi a forma como você brinca com a passagem do tempo, repleta de digressões. Eu adoro quando autores de HQs exploram as possibilidades de brincar com a passagem do tempo, pois acho que existem poucos elementos tão característicos dessa linguagem quanto a forma como o tempo pode ser retratado. Esse ponto foi importante pra você durante a produção do gibi? Deu trabalho pensar em todas essas idas e vindas?
A questão tempo é o principal em L’Amour: 12 oz. A história gira em torno do amor e do tempo. Sempre leio resenhas que dizem que não é uma leitura fácil e essas coisas. Isso não me incomoda mas me leva a reflexão: qual é o parâmetro para isso?
Eu sempre enfatizo que nunca e jamais se deve subestimar o leitor. Aliás, o leitor é a peça chave em uma história em quadrinhos. O ciclo vai se fechar na mão dele então, que o ciclo seja fechado da melhor forma ou seja, deixando o leitor imerso no que leu. Não estou dizendo que faço isso, mas que procuro (da minha forma) deixar caminhos, atalhos, ensejos, para que o leitor participe de alguma forma do que está consumindo. Eu gosto quando assisto um filme e aquilo me toca de tal forma que me incomoda, induz a repensar algumas coisas e reflito sobre aquilo. Esse é um filme que eu gosto. E qual o motivo de não ser assim com os quadrinhos.
Voltando a pergunta! Quando escrevi o roteiro de L’Amour: 12 oz, eu já tinha toda história articulada em minha cabeça. Inclusive com as digressões. Mas confesso que colocar em palavras na hora de escrever o roteiro…camarada, eu tive que ficar atento.
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E o L’Amour é ambientado num cenário mais fechado, definido principalmente pelos personagens. Já O Quarto Vivente tem uma ambientação quase épica, num futuro distante que você apresenta alguns recortes pro leitor. Eu queria saber muito mais sobre esse mundo. Você apresentou tudo que tenha pra contar desse universo ou ainda tem algo na sua cabeça sobre ele que não foi pro papel?
Você tem razão sobre estas observações, mas a abertura que dei em O Quarto Vivente foi exatamente para esse mote. A experiência de abertura de um mundo onde abruptamente foi interrompido com o final da história. Enfim, eu apresentei tudo que queria apresentar.
Eu li no blog do Érico Assis você comentando sobre seu próximo trabalho, como de certa forma ele compõe um arco de histórias junto com O Quarto Vivente e o L’Amour. Eu tenho uma pergunta sobre o seu próximo lançamento, mas antes eu queria saber mais da relação do Quarto Vivente com o L’Amour. A primeira é uma espécie de drama ambientado num futuro distópico e a outra tá mais pra um romance retrô. Claro, tem o seu traço e tem todo o seu estilo ali, mas qual a relação que você vê entre obras tão distantes? Aliás, elas são tão distantes assim pra você?
Se eu disser claramente a relação entre as obras eu entrego o que virá no meu novo trabalho. O individualismo em O Quarto Vivente foi rebatido, de certa forma, em L’Amour: 12 oz. Entretanto a busca dos personagens é a mesma em ambas as histórias, mas de um ponto de vista e argumentos diferentes. No meu novo trabalho existe realmente uma busca física que de certa forma vai encerrar o que deixei aberto em O Quarto Vivente e em L’Amour: 12 oz.
E sobre o Limiar: Dark Matter, você adiantou um pouco sobre a trama (uma história de vingança de dois amigos pela memória de um terceiro colega morto). Você pode falar algo mais da obra? Tem algo de diferente que você está fazendo agora em comparação com seus três lançamentos anteriores?
O que posso falar sobre a revista é que o roteiro foi revisado e estou desenhando as páginas. A trama é esta mesmo, uma pequena história de vingança. Mas acho que posso abrir um pouco mais. Sempre, em qualquer ato feito, você pode esperar uma resposta. Agora, quanto a produção do álbum, não existe algo que esteja fazendo de diferente. Tudo está bem ajustado dentro dos cronogramas e no dia 12 de outubro de 2015, Limiar: Dark Matter será lançada. Por enquanto é isso!

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